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1. CAMINHO ABERTO PARA O PRÓXIMO

1- Caminho aberto para o próximo

 

     “Visto que muitos já tentaram compor uma narração dos fatos que se cumpriram entre nós – conforme no-los transmitiram os que, desde o princípio, foram testemunhas oculares e ministros da Palavra – a mim também pareceu conveniente, após acurada investigação de tudo desde o princípio, escrever-te de modo ordenado, ilustre Teófilo, para que verifiques a solidez dos ensinamentos que recebeste” (Lc 1,1-4).

     Conforme as regras literárias do século I, o autor explica o motivo de sua obra, método, destinatário e objetivo.

     A obra lucana é composta por dois livros: evangelho de Lucas e Atos dos Apóstolos. O primeiro livro apresenta a vida, as atividades e os ensinamentos de Jesus, desde a Galileia até Jerusalém. O segundo livro narra a vida e o desenvolvimento das primeiras comunidades cristãs de Jerusalém até Roma. Essa obra descreve o caminho da Palavra: da periferia para o centro; do ambiente do campo para a cidade; do mundo judaico para um ambiente de cultura grega. Segundo a compreensão romana, o reino de César anunciava que a paz e a segurança vinham dos poderosos, do centro para a periferia.

     Como historiador, o escritor se propõe a fazer uma investigação cuidadosa, retomando os acontecimentos desde as origens. Ele recolhe informações de outras fontes, como, por exemplo, do evangelho de Marcos, do evangelho Q e da tradição das comunidades. A obra de Lucas é destinada a Teófilo, nome que pode indicar uma pessoa importante, alguém que deve ter financiado o seu trabalho. Mas o nome Teófilo também significa aquele que ama a Deus. É possível que essa obra tenha sido dedicada às amigas e aos amigos de Deus.

     De acordo com a apresentação, o objetivo é claro: “para que verifiques a solidez dos ensinamentos que recebeste” (Lc 1,4). A finalidade dessa obra é animar as comunidades que estão enfrentando desânimo, cansaço, insegurança e descrença. Muitas pessoas estão abandonando a comunidade (Lc 24,13). É preciso reavivar a fé das comunidades cristãs e retomar o fervor missionário.

     Para conhecer a mensagem e os possíveis destinatários do evangelho de Lucas, vamos  apresentar algumas palavras-chave desse livro.

 

Mensagem e destinatários

     Ao apresentar a sua narrativa, o autor utiliza com frequência as seguintes palavras: cidade, pobres, multidão, oração, salvação, conversão e misericórdia.

 

 a) Cidade

     É usada cerca de trinta e nove vezes no evangelho de Lucas; em Mateus, vinte e seis vezes, e em Marcos, nove. A cidade é a sede da organização e o lugar dos poderosos (Lc 2,1-3; 3,1-2). A constante repetição da palavra cidade nos faz pensar que o terceiro evangelho foi escrito para pessoas e comunidades localizadas nas cidades, com a presença de ricos e pobres (Lc 19,1-2).

 

b) Pobres

     Desde o início, no cântico de Maria, ouvimos: “Depôs poderosos de seus tronos, e a humildes exaltou. Cumulou de bens a famintos e despediu ricos de mãos vazias” (Lc 1,52-53). De acordo  com o evangelho de Lucas, a missão de Jesus é evangelizar os pobres: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção para evangelizar os pobres” (Lc 4,18). Os pobres são os preferidos de Deus: “Ide contar a João o que vedes e ouvis: os cegos recuperam a vista, os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e aos pobres é anunciado o Evangelho” (Lc 7,22; cf. 6,20). De maneira dura, Jesus critica a avareza dos ricos, o acúmulo e a falta de compaixão e solidariedade com os pobres (Lc 12,16-21; 16,19-31).

 

c) Multidão/multidões

     É muita gente ao redor de Jesus: “as multidões se aglomeravam a ponto de sufocá-lo” (Lc 8,42; cf. 5,1.3.15; 19.29; 8,19.45; 11,29; 12,1; 14,25). Em Lucas, o discurso das bem-aventuranças foi proclamado diante de uma imensa multidão (Lc 6,17-19). A multidão testemunha os gestos de Jesus ao curar o servo de um centurião, ao ressuscitar o filho único da viúva de Naim, ao libertar as pessoas de espíritos impuros (Lc 7,9.11-12; 11,14). Por diversas vezes, Jesus se dirige à multidão (Lc 7,24; 8,4; 12,54), que sempre o acompanha (Lc 18,36; 19,3). A multidão acolhe Jesus, e ele também acolhe as multidões (Lc 8,40; 9,11.37). Jesus é solidário com a multidão faminta no deserto (Lc 9,12.16). As multidões seguem Jesus e procuram definir quem é ele (Lc 9,18-21). A multidão se alegra com as maravilhas realizadas por Jesus (Lc 13,17).

 

d) Oração

     Palavra que é usada cerca de setenta vezes no evangelho de Lucas! É o evangelho que mais apresenta Jesus rezando e convida a comunidade a rezar. Só Lucas coloca Jesus rezando no batismo (Lc 3,21), após o milagre (Lc 5,16), antes da escolha dos Doze (Lc 6,12) e da confissão de Pedro (Lc 9,18), no momento da transfiguração (Lc 9,28-29) e no Getsêmani (Lc 22,46). Esse evangelho insiste na necessidade de ser perseverante na oração (Lc 11,5-8; 18,1), especialmente nos momentos de dificuldades (Lc 22,40.46). É um evangelho que reforça a necessidade de buscar a vontade de Deus e não simplesmente o cumprimento da Lei (Lc 18,2 14).

 

e) A salvação “hoje”

     “Nasceu-vos hoje um Salvador, que é o Cristo-Senhor” (Lc 2,11). Em Cristo, Deus nos oferece a salvação no tempo presente: “Hoje se cumpriu aos vossos ouvidos essa passagem da Escritura” (Lc 4,21). Na casa de Zaqueu, Jesus afirma: “Hoje a salvação entrou nesta casa” (Lc 19,9). E mesmo na cruz, Jesus promete ao bom ladrão: “Em verdade, eu te digo, hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23,43). É um convite para acolher Deus que em Jesus visita o seu povo. O evangelho de Lucas nos ajuda a viver o seguimento de Jesus no hoje de nossas vidas!

 

f) Conversão

     Em muitas passagens, o evangelho de Lucas destaca a salvação dos pecadores, mas exige que a pessoa esteja disposta a mudar de vida: “não vim chamar os justos, mas sim os pecadores, ao arrependimento” (Lc 5,32). A salvação não está garantida unicamente pelo cumprimento das exigências da Lei, mas é um processo permanente (Lc 13,1-5; 6-9).  Deus é paciente e nos espera sempre, como podemos ler na parábola da figueira: “Senhor, deixa-a ainda este ano para que cave ao redor e coloque adubo. Depois, talvez, dê frutos... Caso contrário, tu a cortarás” (Lc 13,8-9). Sempre há mais uma chance. Converter-se exige levantar, voltar, reconhecer a sua condição e pedir perdão... é reviver: “este meu filho estava morto e tornou a viver, estava perdido e foi reencontrado” (Lc 15,24.32).

 

g) Misericórdia

     O evangelho de Lucas reforça a misericórdia de Deus: “Graças ao misericordioso coração do nosso Deus, pelo qual nos visita o Astro das alturas” (Lc 1,78). Um coração que ama a partir das entranhas, amor que se manifesta no perdão e na acolhida: é como o pastor que procura a ovelha perdida e faz festa quando a encontra; ou como a mulher que procura a moeda perdida e quando a encontra reúne e celebra com suas amigas e vizinhas; é como o pai da parábola que acolhe seus filhos de maneira incondicional (Lc 15,1-32). Mesmo no momento da morte, Jesus pede a Deus que perdoe seus inimigos: “Pai, perdoa-lhes: não sabem o que fazem” (Lc 23,43).

     O evangelho de Lucas apresenta Jesus realizando a sua missão na cidade e, preferencialmente, no meio de pessoas pobres, doentes, mulheres, estrangeiras, samaritanas e pecadoras. Gente excluída e à margem da sociedade.

     Esse evangelho reforça a necessidade da oração perseverante e insiste na conversão permanente, pois a salvação acontece no hoje da história para as pessoas que se abrem ao projeto de Deus misericordioso.

     Desde a pregação de Jesus nos anos 30 até os anos 80, as comunidades aguardam a chegada do Reino de Deus. E nada... Ao contrário, há muito sofrimento, dominação e exploração. A desconfiança e a dúvida se instalam na comunidade cristã, e muitas pessoas estão a prática de Jesus. Nesse contexto, o autor faz uma releitura da vida e da prática de Jesus; ele reforça o compromisso com as pessoas marginalizadas e combate o ritualismo e o legalismo, insistindo na prática da misericórdia. Conhecendo um pouco mais o projeto do evangelho de Lucas, vejamos quem é o autor desta obra.

Autor do evangelho de Lucas

     Cada evangelho surgiu numa comunidade específica que conhecia quem era o seu autor  ou os seus autores. Os nomes dos autores não constavam no texto porque não era preciso.

     Assim, circularam de forma anônima, mais ou menos, até o ano 150 d.C., quando começava-se a definir a lista dos livros considerados inspirados do  Novo Testamento. É nesse  momento que os evangelhos foram atribuídos a Marcos, Mateus, Lucas e João. O nome Lucas é citado na carta de Paulo a Filêmon (v. 24), e aparece mais duas vezes: uma em Cl 4,14 e outra em 2Tm 4,11, que são cartas escritas por discípulos de Paulo.

     Ao compararmos Lucas e Atos com as Cartas de Paulo, encontraremos diferenças importantes que nos levam a crer que o Evangelho e os Atos não foram escritos por esse Lucas que foi companheiro de Paulo. Em Atos dos Apóstolos, Paulo é descrito como um missionário que tem poder de curar doentes, de expulsar demônios e ressuscitar mortos (At 14,3.8-10; 16,16-18.25-34; 20,4), mas não é considerado um apóstolo.

     Nas cartas, como em 2Cor 12,5-10, o próprio Paulo se apresenta como uma pessoa frágil, sem poder algum, mas afirma ser apóstolo, chamado e enviado por Jesus, que por amor a Cristo crucificado faz-se solidário com os crucificados da história. Além disso, em Atos dos Apóstolos, Paulo é muito semelhante a Pedro, é mais inclinado a se adaptar diante das exigências dos judeus, e se apresenta como cidadão romano, o que não acontece nas cartas paulinas.

     O autor de Lucas e Atos deve ter sido outra pessoa. Ele não era da Palestina, pois se atrapalha ao falar da geografia da região. Possivelmente um admirador de Paulo, talvez membro de uma das comunidades de origem paulina ou um prosélito grego, alguém que entrou em contato com a religião judaica, estudou a fundo as Escrituras e mais tarde aderiu ao evangelho de Jesus Cristo.No fim do século, as comunidades vivem um momento crítico em sua caminhada, correm o risco de abandonar o projeto de Jesus e assimilar os valores propostos pela sociedade greco-romana. Algumas pessoas caem na descrença e no desânimo, abandonando a caminhada (Lc 24,13.21). Diante dos desafios de seu tempo, o autor procura reavivar a memória da prática de Jesus tendo como objetivo principal “verificar a solidez dos ensinamentos recebidos” (Lc 1,4). Para isso, ele apresenta quem é Jesus de Nazaré e o que é preciso fazer para segui-lo.

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Fonte http://leituraorante.comunidades.net/1-caminho-aberto-para-o-proximo